segunda-feira, 20 de março de 2017

O mundo sob ameaça



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Para especialista em geopolítica da Ásia, o governo americano não pode demorar a responder às ameaças do ditador norte-coreano, Kim Jong-un
NELSON NIERO NETO (EDIÇÃO: GUILHERME EVELIN)
16/03/2017 - 16h07 - Atualizado 17/03/2017 12h56
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O ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un (Foto: EFE/EPA/Rodong Sinmun )


Desde que assumiu o regime norte-coreano, em 2011, Kim Jong-un ordenou a execução de mais de 340 pessoas. A estimativa é do Instituto de Estratégias de Segurança Nacional, baseado na Coreia do Sul. As alegações são sempre subjetivas e arbitrárias, geralmente qualificando a vítima como traidora do regime. Na lista, figuram importantes oficiais do regime e até familiares. Em 2013, Jang Song-thaek, tio de Jong-un e oficial do alto escalão do governo, foi executado, acusado de traição. Em fevereiro, a vítima foi Kim Jong-nam, meio-irmão do líder, envenenado em um aeroporto na Malásia em circunstâncias ainda incertas. Ao que tudo indica, o regime da Coreia do Norte é o responsável pela morte.

Não são só os norte-coreanos que se sentem ameaçados pela paranoia do líder. Jong-un segue investindo no desenvolvimento nuclear do país e conduzindo testes militares. Só no último mês, dois testes de mísseis foram realizados. Eles caíram no Mar do Japão, a cerca de 300 quilômetros da costa japonesa. O mundo está em alerta com a Coreia – até a China e a Malásia, tradicionais aliadas do país, estão irritadas com as atitudes de Kim Jong-un. Os Estados Unidos começaram a responder de maneira mais incisiva às atitudes do ditador. A despeito da oposição da China, um dispositivo americano de defesa capaz de derrubar mísseis foi instalado na Coreia do Sul.

Na sexta-feira, dia 17, o secretário de Estado americano, Rex Tillerson, disse que a "paciência estratégica" dos Estados Unidos com a Coreia do Norte havia acabado. Em visita à Coreia do Sul, ele afirmou que o país responderia de forma apropriada às ameaças de Kim Jong-un, com "novas medidas diplomáticas e de segurança". Após a declaração de Tillerson, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, publicou no Twitter que a "Coreia do Norte tem se comportado muito mal. Eles tem brincado com os Estados Unidos há anos. E a China tem feito muito pouco para ajudar!". Trump se refere à relutância chinesa em impor mais sanções econômicas à Coreia do Norte e à oposição ao sistema antimísseis instalado na Coreia do Sul.

ÉPOCA conversou com Evans Revere, especialista em Ásia do Instituto Brookings e professor da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, para entender por que Kim Jong-un usa o terror e a intimidação para se manter no poder – e como suas atitudes estão aumentando a tensão mundial.

ÉPOCA – Quais são as principais semelhanças e diferenças entre o regime de Kim Jong-un e de seu pai, Kim Jong-il, que governou a Coreia do Norte entre 1994 e 2011?
Evans Revere –
Em relação ao uso de armas nucleares para intimidar países vizinhos e manter o poder, o regime de Kim Jong-un é uma extensão do regime de seu pai. A diferença é que Jong-un tem mostrado uma grande evolução do programa nuclear e usado com frequência essa forma de intimidação. Um grande contraste é a personalidade de cada um. Jong-un não herdou a confiança e o senso de liderança do pai. Na verdade, ele demonstra muita insegurança com a estabilidade de seu regime.


ÉPOCA – É por isso que Kim Jong-un ordena a execução de tantos oficiais e até de familiares? Existe alguma estratégia política ao executar esses suspeitos de traição ou ele deseja apenas evidenciar seu poder?
Revere – Sim, sua insegurança explica, pelo menos em parte, os constantes expurgos políticos e as relações problemáticas que tem com o alto escalão norte-coreano. Ao matar suspeitos de conspiração contra o regime, ele acredita estar eliminando potenciais oponentes que desejam tomar seu lugar. Essas mortes são uma mensagem de intimidação: o regime não aceitará contestação a sua autoridade. Ao que tudo indica, a última vítima de Jong-un foi seu meio-irmão. O fato de ter assassinado mais um parente mostra que seu medo e sua paranoia continuam fortes.

Jang Song-thaek (no meio, de preto), tio do líder norte-coreano Kim Jong-un, comparece a uma audiência em Tribunal militar especial. Song-thaek foi executado depois da audiência (Foto: EFE/Rodong Sinmun)

ÉPOCA – Há mais alguém que Jong-un vê como uma ameaça a seu poder e poderia ser sua próxima vítima?
Revere – É difícil prever qual será seu próximo passo. O que está claro é que estamos lidando com um líder que carrega um profundo temor em relação à estabilidade de sua posição. Por isso, está determinado a usar todos os meios possíveis para eliminar as oposições a seu regime.


ÉPOCA – A China é uma tradicional aliada do regime. Como é a relação dos dois países hoje?
Revere –
É uma relação problemática e complexa. A China está claramente incomodada com o programa nuclear norte-coreano e com o comportamento provocativo de Jong-un. Mas como o governo chinês tem um grande receio do caos que o fim do regime poderia causar, ele não pressiona Jong-un da maneira necessária para mudar seu comportamento. A China também evitou por muito tempo a aplicação de sanções econômicas [em fevereiro, o governo chinês anunciou que diminuiria a quantidade de carvão comprada da Coreia, em resposta ao teste de mísseis realizado pelo país]. No fim das contas, a China acha melhor manter vivo o regime problemático na Coreia do que lidar com os riscos de seu colapso. Para o governo chinês, esses riscos são muitos: desde receber um número muito grande de refugiados norte-coreanos até a possibilidade de reunificação das Coreias, o que levaria à instalação de tropas americanas na fronteira chinesa.

ÉPOCA – Por que a China é contra a instalação do dispositivo antimísseis americano em solo sul-coreano?
Revere –
O receio do governo chinês é que a instalação do dispositivo na Coreia do Sul seria apenas o princípio do desenvolvimento de um abrangente sistema de radares que envolveria, além da Coreia do Sul, o Japão e os territórios americanos no Oceano Pacífico. Para a China, esse sistema seria usado para espionar a atividade militar do país.


O ditador Kim Jong-un acompanha exercícios do Exército norte-coreano (Foto: AFP)

ÉPOCA - Segundo uma reportagem do The New York Times do dia 4 de março, Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos, tinha interesse em sabotar o programa de lançamento de mísseis norte-coreanos por meio de um ataque cibernético. O governo americano já conseguiu, com uma tática similar, sabotar o programa nuclear iraniano. Um ataque desse tipo é possível no caso da Coreia?
Revere – 
​Pessoalmente, não sei dizer se o governo Obama de fato conseguiu interferir no desenvolvimento militar da Coreia do Norte. Mas muitos aspectos desse artigo parecem plausíveis. Defendo há um certo tempo que o governo dos Estados Unidos deve estar preparado para tomar as medidas de resposta descritas no artigo.

ÉPOCA – Ultimamente, a frequência de testes militares da Coreia do Norte aumentou. Só no último mês, foram dois testes de mísseis. A troca presidencial dos Estados Unidos tem alguma relação com a estratégia de Kim Jong-un? Ele estaria testando o poder de reação do novo presidente americano?
Revere –
 No ano passado, a Coreia realizou dois testes com armas nucleares. Os recentes testes de mísseis demonstram a determinação de Kim Jong-un de desenvolver meios para transportar essas armas nucleares. No início do ano, ele declarou que a Coreia estava nos “estágios finais” de desenvolvimento de um míssel intercontinental com capacidade para atingir os Estados Unidos. Para mim, essas atitudes são sinais de que sim, Kim Jong-un provavelmente deseja provocar os Estados Unidos. Ele quer mostrar a Donald Trump os últimos avanços militares da Coreia do Norte.

ÉPOCA – Como o presidente americano responderá a essas provocações?
Evans Revere –
Essa é a grande questão. É impossível prever o que Donald Trump fará. Em relação a aliados e adversários, sua abordagem não se parece com a de nenhum presidente anterior. Ele também tem uma visão única e peculiar sobre a posição dos Estados Unidos nas questões mundiais. Isso pode afetar a relação do país com seus aliados e seu papel como um dos líderes mundiais. O que está muito claro é que a ameaça norte-coreana que paira sobre Trump é real e iminente. Governos americanos anteriores também passaram por isso, mas desta vez a ameaça é maior. É importante ressaltar que, apesar de sua instalação ter sido concluída apenas agora, o dispositivo antimísseis foi uma resposta do governo Obama. Agora, é a vez de Trump. Há uma considerável pressão para que ele tome uma decisão a curto prazo.



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