Placa
instalada no Cemitério de Perus lembra mortos durante a ditadura militar
- 04/09/2017 20h42
- São Paulo
Elaine
Patricia Cruz – Repórter da Agência Brasil
São Paulo
- Placa homenageia 31 vítimas da ditadura militar sepultadas no Cemitério Dom
Bosco, em Perus, é inaugurada (Rovena Rosa/Agência Brasil)Rovena Rosa/Agência
Brasil
Trinta e um ipês foram plantados hoje (4) no
Cemitério Dom Bosco, mais conhecido como Cemitério de Perus, na capital
paulista, para homenagear 31 militantes políticos sepultados no local em uma
vala clandestina durante a ditadura militar. Também foi instalada no local uma
placa com o nome dos 31 militantes (veja lista dos homenageados).
A placa atende a recomendações das comissões da Verdade Nacional e Municipal de
São Paulo, que sugeriram a instalação de marcas de memória nos cemitérios
municipais onde foram encontrados indícios ou documentos que atestem que ali
foram enterrados militantes políticos.
“Esse ato aqui hoje é muito importante porque é uma
marca de memória e existe um compromisso de todos os países que assinaram os
tratados internacionais de direitos humanos de terem marcas de memória em caso
de graves violações a direitos humanos. Então aqui hoje cumprimos uma marca de
memória. Não temos como fazer a reparação do que aconteceu e, no caso do
Brasil, a Lei de Anistia ainda impediu o julgamento dos que cometeram esses
atos. Então isso [a placa] marca esse período da história para que não
esqueçamos de que ele aconteceu e para que esses atos não se repitam”, disse a
secretária municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Eloisa Arruda.
Os ipês foram plantados em um terreno pouco acima
do local onde se encontra o Memorial aos Desaparecidos Políticos, criado em
1993 pelo arquiteto Ruy Ohtake, em que está escrito: “Aqui os ditadores
tentaram esconder os desaparecidos políticos, as vítimas da fome, da violência
do estado policial, dos esquadrões da morte e, sobretudo os direitos dos
cidadãos pobres da cidade de São Paulo. Fica registrado que os crimes contra a
liberdade serão sempre descobertos". Os ipês ficaram concentrados nesse
local porque muitas das famílias de militantes políticos acreditam que há
outras áreas no cemitério que podem esconder os corpos de outros presos
políticos e que precisariam ser exploradas. Esse foi um pedido feito por
parentes dos militantes mortos e desaparecidos na ditadura para a secretária
Eloisa Arruda: para que cavem mais áreas no cemitério de Perus. Em resposta, a
secretária disse à Agência Brasil, que, se houver evidências, outras
escavações poderão ser feitas.
“As árvores não foram colocadas aqui porque
provavelmente isso aqui ainda precise ser aberto, pode haver outros”, disse o
ativista José Luiz del Roio, que militou contra a ditadura militar e teve sua
companheira na época, Isis Dias de Oliveira, assassinada. “Ela desapareceu em
1972”, contou ele. “As indicações e análises feitas em arquivos indicam que tem
42 nomes a mais enterrados aqui. Essas 1.049 ossadas estão sendo investigadas e
Isis é uma das possibilidades entre as 42 vítimas políticas”, completou.
A vala
A vala clandestina de Perus foi aberta em setembro
de 1990 durante a gestão da então prefeita Luiza Erundina. No local, foram
encontradas 1.049 ossadas sem identificação de vítimas de esquadrões da morte,
indigentes e de presos políticos. Na época, a prefeitura determinou a apuração
dos fatos e fez um convênio com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
para a identificação das ossadas. O trabalho foi interrompido e, em 2002, as
ossadas foram levadas para o Cemitério do Araçá, na capital paulista, sob
responsabilidade da Universidade de São Paulo (USP). Em 2014, por meio de
cooperação da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), da Secretaria
Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) e da Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP), o trabalho de identificação dos restos mortais resgatados
da vala clandestina do cemitério de Perus foi retomado. Mas poucas
ossadas foram identificadas até hoje.
Administrador do Cemitério de Perus entre os anos
de 1976 e 1992, Antonio Pires Eustáquio contou que a descoberta da vala
clandestina ali ocorreu quando ele pesquisava sobre os indigentes que eram
enterrados em Perus. “Desde 1971, quando o cemitério foi inaugurado, não
constava o destino dos ossos dos indigentes, quando isso era obrigatório. Essa era
uma irregularidade grave. E eu conhecia a luta desses universitários
[militantes políticos] e [sabia] dos desaparecimentos deles. Me veio a ideia de
que eles poderiam ter sido sepultados aqui. Comecei a procurar. E não achava
registro nenhum disso. Até que um funcionário me contou que tinha aberto uma
vala, com uma retroescavadeira, na área do Cruzeiro, beirando o barranco. Fui à
noite ali e acabei descobrindo a vala”, contou Eustáquio. “Nessa vala, segundo
meu levantamento em livros de registro, foram enterrados 1,5 mil corpos entre
adolescentes e crianças por causa de um surto de meningite. E muitos corpos
foram ali descartados por atropelamento”, completou o ex-administrador do
cemitério.
Para Eustáquio, os militantes eram sepultados em
Perus porque, antigamente, o local era muito isolado, já próximo da cidade de
Caieiras. “Não tinha nada. Era terra tudo aqui. Era para esconder os
militantes.”
Saiba Mais
“Eles traziam para cá porque, na época, aqui era
muito deserto. Não tinha que passar pelo centro da cidade ou zonas muito
povoadas. Eles saíam do DOI-Codi [Destacamento de Operações de Informações -
Centro de Operações de Defesa Interna] e traziam para cá. Mesmo porque essa
vala vem antes do cemitério", ressaltou del Roio. “Nossos companheiros e
também outras pessoas foram jogadas aqui clandestinamente e de uma forma
arbitrária”, disse o presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Paulo César
Sampaio.
O Cemitério de Perus é um dos quatro cemitérios
municipais que foram utilizados durante a ditadura no país para ocultar
cadáveres. Além de Perus, presos políticos foram enterrados nos cemitérios de
Campo Grande, da Vila Formosa e de Lajeado, onde também serão instaladas placas
com nomes de militantes políticos.
Mesmo que grande parte dos restos mortais desses
presos políticos jamais tenha sido identificada, a homenagem será realizada
tendo como base documentos encontrados no próprio cemitério ou registros
encontrados por parentes ou pelas comissões de mortos e desaparecidos que
atestam que eles foram sepultados nesses locais.
Identificação das ossadas
As primeiras amostras de material genético das
ossadas encontradas no Cemitério de Perus, em 1990, serão enviadas ainda este
mês para análise de DNA em um laboratório
internacional. A informação foi confirmada à Agência Brasil por
Javier Amadeo, representante da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) no
Comitê Gestor do Grupo de Trabalho Perus.
Amadeo disse à Agência Brasil que o trabalho
de identificação das ossadas continua, apesar de os recursos estarem escassos
ou com repasses atrasados. Parte desses repasses é feita pelo Ministério da
Educação (MEC). Procurado pela reportagem, o ministério informou que a atual
gestão da pasta não encontrou "nenhum acordo firmado entre a Unifesp e o
MEC para repasses de recursos para o projeto de identificação de mortos na
ditadura".
O ministério acrescenta, por meio de nota, que a
Unifesp, por ter autonomia, "se comprometeu a realizar os trabalhos dentro
do seu próprio orçamento e, posteriormente, anunciou que não conseguiria,
solicitando verba extra". A pasta informou ainda que o Ministério Público
propôs uma ação civil pública para o entendimento da questão. Com isso, no dia
16 de agosto, o MEC chegou a oferecer R$ 208 mil de ajuda para o fim dos
trabalhos neste ano, mas isso foi recusado pela universidade, o que forçou a
suspensão do repasse pelo ministério. "No entanto, em 31 de agosto, em
nova reunião acordada pelo Ministério Público, a Unifesp aceitou a
proposta", diz a nota.
A Unifesp confirmou que, como parte do processo de
conciliação, o Ministério da Educação ofereceu R$ 208 mil para cobrir os gastos
com o laboratório até o final deste ano. Uma nova audiência de conciliação está
agendada para o dia 9 de outubro "para que o governo federal apresente uma
proposta financeira para os anos de 2018 e 2019".
A Unifesp também confirmou que as primeiras
amostras de material genético das ossadas foram enviadas nesta segunda para o
laboratório para a análise de DNA.
Outra parte dos recursos vem da prefeitura.
Questionada hoje sobre o tema, a secretária municipal informou à Agência
Brasil que o repasse municipal está sendo feito regularmente. “A secretaria
participa e participa com recursos. No caso da secretaria de São Paulo, o
compromisso que foi assumido no termo de cooperação assinado está sendo
honrado. Temos recurso para este ano e temos recurso previsto pelo Orçamento
também no ano que vem”, disse Eloisa.
Texto
atualizado às 18h12 do dia 05/09/2017
Edição: Juliana
Andrade
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